Fronteiras e limites
Sérgio Paulo Muniz Costa,
Consultor empresarial e historiador
Causou repercussão nacional a palestra do Comandante Militar da Amazônia, general Augusto Heleno, proferida no Clube Militar, no Rio de Janeiro. Dela, foram pinçados os termos "lamentável" e caótica", aplicados à política indigenista brasileira. Não há novidade alguma aí, pois experimenta-se diariamente o caos nacional em diversas frentes, ao qual o brasileiro vai se acostumando bovinamente. A novidade é que dessa vez foi um general de quatro estrelas a apontá-lo. Os brasileiros, informados distantemente sobre os problemas no extenso arco limítrofe do País com dez vizinhos, agora se deparam com uma modalidade nova de problema fronteiriço. Eles são criados pelo Brasil, de dentro para fora.
Vozes apressadas já tentam questionar as palavras do general, sob o argumento falsamente civilista de que os militares não devem se pronunciar em público sobre assuntos polêmicos, em nome da sua subordinação ao poder civil. Não é a fala do general - dirigida a militares em uma agremiação que tem longa tradição no debate das questões nacionais - que deve causar sobressalto, mas sim o fato de não ter ocorrido também nos fóruns políticos onde a sociedade espera que seja deliberado o interesse do Brasil. Neutralizado por uma política suicida, o Congresso foi ultrapassado pelos acontecimentos nesse e em outros assuntos cruciais para a Nação, reduzindo-se a mero espectador da cena que deveria ser sua. Interveio, mais uma vez, o Superior Tribunal Federal que vem acompanhando de perto os acontecimentos políticos nacionais e preservando a constitucionalidade do País.
Em uma sociedade onde se abrem tantos espaços a especialistas em Defesa, a fala dos seus profissionais não deve surpreender, pois, a exemplo de outras atividades sensíveis, é impossível separar o pensamento da palavra e da ação. Esperar que os militares não pensem e não falem sobre o seu dever de ofício quando se avizinha uma crise na esfera de suas competências é garantir que não a impeçam. A não ser que surja um outro problema mais grave e inusitado - alguém com responsabilidade de governo afirmar que o assunto não diz respeito aos militares. Mas não se deve esperar tamanha insensatez.
O tema é de interesse nacional, cuja abordagem demanda coragem, em qualquer área, porquanto se sobrepõe aos interesses, conveniências e aparências do momento. A sociedade espera que seus militares formados na escola da coragem, defendam-na. Em contrapartida, eles esperam que a sociedade tenha a coragem de ouvi-los, institucionalmente. Os estados democráticos educam seus militares na ética da obediência, onde a disciplina é uma disposição interior para submeter-se voluntariamente às normas e a lealdade é a obrigação moral de, na posição de sentido, falar tudo. Parece simples, mas não é, nem aqui nem pelo mundo afora.
Antes da Segunda Guerra, os franceses não ouviram De Gaulle, os ingleses ignoraram Fuller e Stalin fuzilou parte da elite do exército soviético, facilitando, por anomia política, caduquice institucional ou delírio ditatorial, o trabalho de Hitler. Seis anos atrás, o poderoso secretário de Defesa Donald Rumsfeld deu bilhete azul ao general Shinzeki, chefe do Estado-Maior do Exército, quando este insistiu que não seria possível, com as tropas disponíveis, manter a paz no Iraque após a invasão já então decidida pelo governo e imposta pelo rolo compressor do Pentágono. Muitos generalatos depois, o desastre virou tema de campanha presidencial e polarizou uma audição no Congresso americano.
Aqui vamos criando nosso desastre, devagar, como convém. Inviabilizamos economicamente um estado da federação situado numa fronteira sensível, desumanizamos essa fronteira e assinamos uma controversa declaração internacional que atribui responsabilidades a populações indígenas para as quais elas não estão preparadas, nem perante a Nação, nem perante elas próprias. Completando o quadro surrealista, um ministro de Estado, ao comparecer à assembléia indígena no Surumu, recusou-se a se fazer acompanhar pelo governador e pelos representantes federais e estaduais, todos eleitos, e pelo general comandante da brigada ali desdobrada.
A questão indígena na fronteira de Roraima é na verdade uma questão de limites, criados ou transpostos. Artificialmente, criam-se limites entre brasileiros por meio de uma política racial sectária e não nacional; criam-se limites que inviabilizam a ação integrada de órgãos e instituições do governo em prol da paz social; e criam-se limites à própria cidadania. Transpuseram-se os limites do bom senso.
As fronteiras do Brasil estão onde sempre estiveram desde que o Barão Rio Branco protagonizou e inspirou vitórias diplomáticas que dispensaram as armas para conquistá-las, mas que ele nunca duvidou que devessem estar lá para garanti-las. Para que se as preserve, em atendimento a supremo interesse nacional, observem-se os limites na política, nas relações internacionais e no funcionamento saudável das instituições nacionais, mantendo-se a ideologia ao largo. Afinal, uma vez iniciado o desrespeito, não há mais limites, nem mesmo para um aprendiz de ditador arvorar-se a mediador da questão. Esse pode ser o limite do ridículo, mas há outros mais graves que fariam Rio Branco tremer de indignação.
JB Online – 21/04/08
Sérgio Paulo Muniz Costa,
Consultor empresarial e historiador
Causou repercussão nacional a palestra do Comandante Militar da Amazônia, general Augusto Heleno, proferida no Clube Militar, no Rio de Janeiro. Dela, foram pinçados os termos "lamentável" e caótica", aplicados à política indigenista brasileira. Não há novidade alguma aí, pois experimenta-se diariamente o caos nacional em diversas frentes, ao qual o brasileiro vai se acostumando bovinamente. A novidade é que dessa vez foi um general de quatro estrelas a apontá-lo. Os brasileiros, informados distantemente sobre os problemas no extenso arco limítrofe do País com dez vizinhos, agora se deparam com uma modalidade nova de problema fronteiriço. Eles são criados pelo Brasil, de dentro para fora.
Vozes apressadas já tentam questionar as palavras do general, sob o argumento falsamente civilista de que os militares não devem se pronunciar em público sobre assuntos polêmicos, em nome da sua subordinação ao poder civil. Não é a fala do general - dirigida a militares em uma agremiação que tem longa tradição no debate das questões nacionais - que deve causar sobressalto, mas sim o fato de não ter ocorrido também nos fóruns políticos onde a sociedade espera que seja deliberado o interesse do Brasil. Neutralizado por uma política suicida, o Congresso foi ultrapassado pelos acontecimentos nesse e em outros assuntos cruciais para a Nação, reduzindo-se a mero espectador da cena que deveria ser sua. Interveio, mais uma vez, o Superior Tribunal Federal que vem acompanhando de perto os acontecimentos políticos nacionais e preservando a constitucionalidade do País.
Em uma sociedade onde se abrem tantos espaços a especialistas em Defesa, a fala dos seus profissionais não deve surpreender, pois, a exemplo de outras atividades sensíveis, é impossível separar o pensamento da palavra e da ação. Esperar que os militares não pensem e não falem sobre o seu dever de ofício quando se avizinha uma crise na esfera de suas competências é garantir que não a impeçam. A não ser que surja um outro problema mais grave e inusitado - alguém com responsabilidade de governo afirmar que o assunto não diz respeito aos militares. Mas não se deve esperar tamanha insensatez.
O tema é de interesse nacional, cuja abordagem demanda coragem, em qualquer área, porquanto se sobrepõe aos interesses, conveniências e aparências do momento. A sociedade espera que seus militares formados na escola da coragem, defendam-na. Em contrapartida, eles esperam que a sociedade tenha a coragem de ouvi-los, institucionalmente. Os estados democráticos educam seus militares na ética da obediência, onde a disciplina é uma disposição interior para submeter-se voluntariamente às normas e a lealdade é a obrigação moral de, na posição de sentido, falar tudo. Parece simples, mas não é, nem aqui nem pelo mundo afora.
Antes da Segunda Guerra, os franceses não ouviram De Gaulle, os ingleses ignoraram Fuller e Stalin fuzilou parte da elite do exército soviético, facilitando, por anomia política, caduquice institucional ou delírio ditatorial, o trabalho de Hitler. Seis anos atrás, o poderoso secretário de Defesa Donald Rumsfeld deu bilhete azul ao general Shinzeki, chefe do Estado-Maior do Exército, quando este insistiu que não seria possível, com as tropas disponíveis, manter a paz no Iraque após a invasão já então decidida pelo governo e imposta pelo rolo compressor do Pentágono. Muitos generalatos depois, o desastre virou tema de campanha presidencial e polarizou uma audição no Congresso americano.
Aqui vamos criando nosso desastre, devagar, como convém. Inviabilizamos economicamente um estado da federação situado numa fronteira sensível, desumanizamos essa fronteira e assinamos uma controversa declaração internacional que atribui responsabilidades a populações indígenas para as quais elas não estão preparadas, nem perante a Nação, nem perante elas próprias. Completando o quadro surrealista, um ministro de Estado, ao comparecer à assembléia indígena no Surumu, recusou-se a se fazer acompanhar pelo governador e pelos representantes federais e estaduais, todos eleitos, e pelo general comandante da brigada ali desdobrada.
A questão indígena na fronteira de Roraima é na verdade uma questão de limites, criados ou transpostos. Artificialmente, criam-se limites entre brasileiros por meio de uma política racial sectária e não nacional; criam-se limites que inviabilizam a ação integrada de órgãos e instituições do governo em prol da paz social; e criam-se limites à própria cidadania. Transpuseram-se os limites do bom senso.
As fronteiras do Brasil estão onde sempre estiveram desde que o Barão Rio Branco protagonizou e inspirou vitórias diplomáticas que dispensaram as armas para conquistá-las, mas que ele nunca duvidou que devessem estar lá para garanti-las. Para que se as preserve, em atendimento a supremo interesse nacional, observem-se os limites na política, nas relações internacionais e no funcionamento saudável das instituições nacionais, mantendo-se a ideologia ao largo. Afinal, uma vez iniciado o desrespeito, não há mais limites, nem mesmo para um aprendiz de ditador arvorar-se a mediador da questão. Esse pode ser o limite do ridículo, mas há outros mais graves que fariam Rio Branco tremer de indignação.
JB Online – 21/04/08
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