segunda-feira, 23 de maio de 2011

REMINISCÊNCIAS DE UM GERENTE DO BB APOSENTADO SOBRE O GOVERNO DOS MILITARES‏

No rádio portátil do passageiro sentado no banco atrás do
meu o Chico Buarque cantava a Banda; ?Estava à toa na vida, o meu amor
me chamou, pra ver a banda passar...?. Eu sabia a letra de cor e
cantava junto. A música era bem novinha ainda. Novembro/66. Estava
feliz. Ia me encontrar com o meu primeiro emprego: Banco do Brasil, um
velho sonho para um jovem de 20 anos.

A poeira vermelha pairava no ar, dentro do ônibus. Já
tinha viajado mais de 10 horas pelas estradas de chão batido do Rio
Grande do Sul na direção do meu objetivo. Pensava ver alguma tropa do
exército parando o ônibus para revistarem os passageiros. Nada. Nem um
milico para atrapalhar a viagem. Três anos depois fiz o caminho de
volta. A poeira havia sumido. Alguém resolvera asfaltar a estrada. Uma
beleza! Nenhum milico atrapalhou a viagem.

Nesses primeiros três anos de trabalho no ?interiorzão? do
Rio Grande, pude constatar alguns fatos:

1º) optei pelo FGTS. Não precisava fazer isso, mas achei melhor;

2º) fiz planos para comprar um imóvel pelo BNH. Uma
regalia para um jovem de 20 anos;

3º) realizei várias viagens pelo Brasil. Afinal, Jovem
gosta de viajar, ainda mais se tem o seu dinheirinho. Nenhum milico
atrapalhou minhas viagens;

4º) no BB, a gente circulava pelo interior do município
para levar o crédito ao homem simples do campo. Máquina de escrever,
carbonos, propostas, contratos e nós, eu e mais uns dois ou três
funcionários do BB, na caçamba de uma Rural Willys. Colocávamos a
Rural embaixo de uma figueira. Ali funcionaria a ?agência do BB?. A
?colonada? fazia fila. Eram todos atendidos. O BB financiava desde uma
junta de bois para o serviço e uma vaca para tirar leite, até uma
pequena lavoura para subsistência do colono. Juros do financiamento na
faixa dos 3% a.a. Nunca apareceu um só milico para atrapalhar essas
viagens. No rádio da ?agência?, o Caetano cantava ?Alegria, Alegria?.

Quando sai do ?interiorzão?, fui para uma cidade perto da
capital gaúcha. Uma beleza! Finalmente poderia conhecer a tal de
?Free-way? que tinham construído em direção às praias. Andei pra lá e
pra cá na ?Free-Way? várias vezes no meu Fuca/70. Às vezes ia para
Floripa. Cansei de dormir nas estradas. Nunca fui assaltado e nenhum
milico apareceu para encher meu saco.

Já em Porto Alegre -- a cidade que era meu sonho de
consumo ? ingressei na UFRGS pela via democrática do vestibular.
Passei cinco anos na Faculdade de Direito, à noite. Precisava de um
curso superior para viabilizar minha carreira no BB. Meu valioso
diploma veio em 1979. Nos cinco anos de UFRGS nunca apareceu um milico
para encher o meu saco.

Nessa época, nos bancos universitários, já se falava em
PROÁLCOOL, PIS, PASEP, PONTE RIO ?NITERÓI, ITAIPU, ANGRA I E ANGRA II,
além de outros grandes investimentos. Para mim, no entanto, a maior
invenção foi o MOBRAL. Com ele, o Brasil começava a ser educado.

Minha carreira no BB decolou. Aos poucos fui percebendo
que uns colegas malandros, ruins no serviço e no estudo, queriam ser
chefe ou ganhar um salário igual ao do chefe. Para alcançarem isso
ingressaram no Sindicato. Estudar pra quê? Lá bebiam, colocavam os pés
em cima das mesas e faziam greves. Chamavam-me de pelego. O meu saco
começou a encher.

O tempo passou. Eles provaram que eu estava errado porque
não precisaram estudar para alcançarem a chefia. Usaram os sindicatos
e depois, acabaram com eles, numa típica ação ?dos fins justificam os
meios?.

Enfim, simplificando, acho que a falta de educação tomou
conta do Brasil; o Chico conseguiu empregar a irmã que se encontrava
?à toa na vida?; o Caetano, ainda na onda da ?Alegria, alegria?,
também deve ter dado uma mão para a mana criar o seu bloguinho de meio
milhão de reais e, para tornar a história mais emocionante, começaram
a torrar o saco dos milicos.

Felizmente, estou aposentado! Não fosse isso, meu saco explodiria!

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